Cidade do não-lugar, da
velocidade e do comércio. Paulicéia desvairada. Não posso deixar de amá-la.
Suas curiosidades não acabam.
Considero aqui não somente a cidade, mas toda a grande São Paulo, com suas periferias que, apesar da classe média nutrir terror por elas, é onde mais se encontra verdade por aqui.
Megalópole dos mil olhares. Como lembra a psicologia positiva, o negativo é o mais fácil de se olhar, o que exige menor esforço. E assim o és para os visitantes apressados, os viajantes incautos tragados por seus circuitos comerciais.
Megalópole dos mil olhares. Como lembra a psicologia positiva, o negativo é o mais fácil de se olhar, o que exige menor esforço. E assim o és para os visitantes apressados, os viajantes incautos tragados por seus circuitos comerciais.
O
mais doloroso da grande cidade é a impessoalidade, ao tornar o humano objeto de
consumo, mas também criando ambiente muito propício para transformações
culturais.
Sem
dúvida, uma das cidades que mais proporciona ascensão social, principalmente
para os que conseguiram acessar as regiões privilegiadas, seja por aluguel, seja por trabalho ou estudos.
Mas
veja que cidade interessante: possui a maior reserva de Mata Atlântica presente
em uma grande cidade e margeia a maior reserva do Estado, certamente uma das
maiores do país. Somente uma política com avanços humanitários poderia salvar
um pulmão verde como a Cantareira.
O
trânsito se torna o grande paradoxo da modernidade, pois ele entrava a rapidez
competitiva. A administração política vigente (2016) reduziu a velocidade das
vias da cidade e criou 200 km de ciclovias. Os argumentos são redução de
vítimas do trânsito, modo de vida mais saudável e por consequência redução de
gastos públicos. Há os que creem em uma indústria de multas. Mas a verdade é
que somente uma cidade com pilares intelectualizados poderia ousar afrontar a
velocidade, o individualismo (automóvel) e o desmatamento (a especulação
mobiliária).
Perguntaram-me
se os animais são capazes de contemplar a natureza. Eu não sei nada de nada,
mas se me perguntam eu matuto e respondo. O etólogo e psicólogo Boris Cyrulnik
escreveu que contemplam à sua maneira, bem diferente da nossa. Para o ser
humano, a contemplação prescinde de um estado elevado de ser. A maior parte da
humanidade deve desconhecê-la. Observam normalmente o que disseram que se deve
observar. Estou aprendendo a contemplar meu território e, compreendendo,
aprendendo a amar. Amar não é gostar ou não gostar, é aceitar como se é, após
conhecer, escreveu o psicanalista alemão Erich From.
Os
meios de comunicação quase que só mostram escânda-los desta cidade. Dizem que
há muita violência, poluição etc. A racionalidade nos demonstra facilmente que
se formos noticiar tragédias envolvendo 15 milhões de vidas não haverá tempo
para se falar de outra coisa. Tenebroso, portanto, o desserviço que prestam
esses meios. São Paulo não é nada disso.
Eu não
me mudaria para outra cidade, outra, de uma beleza fácil e evidente. O
encantamento é o que mais nos turva a realidade. Nem posso. Nem quero mesmo. Há
algo de visceral, entranhado mesmo, ao vivermos onde nascemos. É o melhor lugar
para viver-se. Há uma segurança interior ímpar. Triste é a vida dos migrantes,
imigrantes. Desenraizar-se é uma obrigação. O nosso lugar tem qualquer coisa de
mágico. O bairro onde nasci, Santa Tereza, é de migrantes - como meus pais o foram. Quase todos queriam retornar à terra
natal, pois “lá eram felizes”.
O
homem precisa de um tempo em um espaço, para fazer dele algo. Algumas décadas.
Triste é desenraizar as pessoas. E essas pessoas estarem noutro lugar de
passagem, fazendo dele lugar nenhum, sem amor pelo local. Mas há falta de tudo,
como exigir consciência?
Essa
espécie de planalto paulistano tem o melhor clima do mundo. As constantes variações
(sempre amenas) são excelentes para o ar e para a saúde, ao contrário do que
reclamam por aí. A mentalidade do passado transformou um rio em esgoto e a
cidade humana em cidade do automóvel. Mas isso vem mudando e nutro esperanças.
Essa também é só uma das características da cidade, há outras que mais me
interessam como o maior fervor artístico e cultural do país. As culturas
periféricas, sob gerações que começam a assentar-se em seus territórios,
apresentam uma cultura das mais verdadeiras por aqui.
A
realidade não é para o olho. Ainda menos para ser observada de dentro de um
veículo.
Suas
vias principais, onde pichações e publicidade disputam espaço e a poluição
visual é tremenda, mostram apenas uma das caras da cidade. As outras só podem
ser acessadas por passadas e seu tempo outro. Caminhando, somente, é que se
pode ver um pouco mais, quem sabe sentir olores distintos. Quiçá ver beleza e
curiosidades ainda não classificadas. É essa São Paulo que estou aprendendo a
amar. Digo mesmo que com esse olhar pode-se amar qualquer cidade. Um olhar
despretensioso, isento (?) de julgamentos, que busca o desconhecido.
Para fechar, quero dar dicas do melhor da cidade: O Samba da vela, em Santo Amaro, merece um estudo sociológico cultural. Em poucas palavras, o que eles fazem lá resgata a afetividade, as raízes brasileiras; abrem um espaço de criação poética e musical, uma escola em todos os sentidos; promovem conversa, reflexão, respeito, memória. Um verdadeiro espetáculo para se ver e vivenciar. O Sarau da Cooperifa, do Binho, do Beco, do Vinil, do Pira, do Charles trazem tudo isso e a possibilidade, sobretudo, de se conhecer histórias humanas. Cito também a Escola Paulista de biodança, na pessoa de Marlise, que me ensinou a encontrar-me com o outro. E o resto, todos conhecem.
Para fechar, quero dar dicas do melhor da cidade: O Samba da vela, em Santo Amaro, merece um estudo sociológico cultural. Em poucas palavras, o que eles fazem lá resgata a afetividade, as raízes brasileiras; abrem um espaço de criação poética e musical, uma escola em todos os sentidos; promovem conversa, reflexão, respeito, memória. Um verdadeiro espetáculo para se ver e vivenciar. O Sarau da Cooperifa, do Binho, do Beco, do Vinil, do Pira, do Charles trazem tudo isso e a possibilidade, sobretudo, de se conhecer histórias humanas. Cito também a Escola Paulista de biodança, na pessoa de Marlise, que me ensinou a encontrar-me com o outro. E o resto, todos conhecem.